Ela destacou que a misoginia não se resume a crimes contra a honra, como a injúria, pois fere a integridade de um grupo e ameaça a plena existência de todas as mulheres.
Nesta quarta-feira (22), o Senado Federal aprovou uma proposta de lei que tipifica a misoginia como um crime, equiparando-a à discriminação e ao preconceito de raça, cor, etnia e religião.
O projeto, que tem autoria da senadora Ana Paula Lobato (PDT-MA), foi validado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em situação terminativa. Isso significa que, se não houver emendas nos próximos cinco dias, a proposta seguirá para a Câmara dos Deputados sem passar pelo plenário do Senado.

Com essa nova legislação, aqueles que forem enquadrados nesse crime podem enfrentar pena de reclusão de dois a cinco anos, além de multas.
“A legislação atual não oferece uma resposta penal adequada para a injúria praticada em nome da misoginia, um crime que se torna cada vez mais frequente. Não há punição para a propagação de discursos misóginos, que são responsáveis por aumentos na violência física contra as mulheres”, explicou a senadora autora do projeto.
A relatora da proposta, senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), elaborou um adendo que define a misoginia como:
“A conduta que demonstra ódio ou aversão às mulheres, fundamentada na crença de supremacia do gênero masculino,” afirmou a senadora.
Ela destacou que a misoginia não se resume a crimes contra a honra, como a injúria, pois fere a integridade de um grupo e ameaça a plena existência de todas as mulheres. “A misoginia desafia a equidade entre os gêneros e promove a hegemonia masculina”, afirmou.
Combate à Violência Patrimonial
A mesma comissão aprovou uma proposta que permite que crimes de dano patrimonial ocorridos no cenário de violência doméstica contra mulheres sejam processados como ações penais públicas, independentemente da denúncia da vítima.
Em outras palavras, o Ministério Público poderá iniciar ações legais contra os acusados, mesmo que as vítimas decidam não seguir com a denúncia.
Este projeto, do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), modifica a legislação existente que atualmente requer queixa da vítima para a apuração de crimes, exceto em situações de violência física, grave ameaça ou uso de substâncias perigosas.
“O ciúme excessivo, o controle financeiro e a destruição de bens são formas de agressão que frequentemente não são percebidas, mas que afetam profundamente a autonomia e a dignidade da mulher”, argumentou o senador.
Programa ‘Zap Delas’
Ainda no mesmo dia, o Senado lançou o programa “Zap Delas”, um canal no WhatsApp que permitirá o recebimento de denúncias, acolhimento humanizado e o rápido encaminhamento de casos de violência política contra mulheres.
Segundo a proposta do programa, as denúncias serão enviadas para a Delegacia do Senado Federal e para a Ouvidoria da casa.
“O Zap Delas representa uma resposta urgente e necessária para fortalecer a rede de proteção, assegurar a integridade das mulheres no espaço político e ampliar a coleta de dados que suportem políticas públicas mais eficazes”, concluiu a senadora Augusta Brito (PT-CE), autora do programa.
Lei do Racismo
O advogado criminalista, professor de Direito Penal e Processo Penal, Rafael Paiva, explica quais tipos de situação podem ser enquadradas na Lei do Racismo.
“Impedir ou dificultar o acesso de alguém a estabelecimentos comerciais, escolas, transportes públicos, repartições públicas e estabelecimentos de saúde por razões discriminatórias. Também se enquadra como racismo a recusa ou obstrução de acesso a empregos, oportunidades de promoção profissional e participação em associações ou sindicatos com base nesses mesmos critérios” , destaca.
O STF (Supremo Tribunal Federal) em 2019, equiparou atos de homofobia e transfobia ao crime de racismo, após entender que houve omissão inconstitucional do Congresso Nacional por não editar uma lei que criminalize essas ações.
A advogada Fayda Belo, especialista em crimes de gênero, direito antidiscriminatório e feminicídios, avalia que o objetivo da lei “é combater um sistema histórico de opressão, separação e exclusão que nega direitos e perpetua desigualdades sociais, principalmente a pessoas negras e indígenas que historicamente sempre foram discriminados no Brasil”.
“Epidemia” de discriminação
Para Fayda, incluir a misoginia na lei de crimes raciais é “dizer que o ódio e a discriminação contra as mulheres é um problema estrutural, que alimenta a desigualdade de gênero e a violência contra as mulheres”.
Embora defenda o avanço do projeto de lei no Congresso, já que considera o assunto “inadiável”, a advogada acredita que deveria haver uma legislação específica para o combate à misoginia.
“Criminalizar a misoginia é colaborar para o combate à desigualdade e violência de gênero em um país onde a discriminação contra as mulheres já se tornou uma epidemia”, diz a especialista.
Já Paiva sinaliza preocupação com a equiparação desse ato ao racismo. “O problema, do meu ponto de vista, é a generalização. Quando tudo pode ser algo, algo acaba se tornando nada. Não há dúvidas que a questão da misoginia merece atenção, mas nesse ponto em específico eu acredito que a legislação brasileira já é adequada para coibir atos de misoginia.”





